domingo, 7 de novembro de 2010

Primeiro Dia na Aldeia

Pela manhã bem cedo, minha mãe já estava com o meu café pronto, pulei da cama e me preparei para subir até a aldeia. Mamãe achava tudo muito perigoso, afinal ninguém lá me conhecia, eu não sabia de seus costumes, enfim, preocupação de mãe. Mas eu queria e já havia me decidido. Então não tinha jeito. Levei muita água, pois sabe-se lá, poderia ficar sem comida mas sem água nem pensar, e o dia estava bem quente. Passei na padaria e comprei um quilo de café, um de açúcar e falei para o cara da padaria que eu queria duzentos pães. Ele assustou com o pedido e me disse que seus clientes iam ficar sem pão se me vendesse tudo assim, eu teria que ter feito um pedido extra. Expliquei que também fui pego de surpresa. Ele me disse que tinha uma sobra do dia anterior, pois toda noite fazia uma fornada de pão, mas que sempre sobrava algum, ele me ofereceu a um preço bem baixo que acabei aceitando. Como eu não conhecia nada, fui seguindo a orientação da dona Rosa. Seguir a estrada principal toda vida até chegar em um bar que ficava de esquina e que tinha um alpendre baixo, ali era para eu virar a direita e seguir toda vida, não teria que entrar em nenhum atalho somente ir em frente. Estava levando balas para as crianças, muitas balas. Minha mente criava imagens e situações que somente eu conhecia. Um mundo que não saberia descrever aqui em palavras. A cada passo eu ia admirando a natureza, o canto dos Pássaros, o barulho da água do rio, enfim... tudo era novidade.
Já passava de meia hora de caminhada e eu estava exausto, um tempo depois cheguei ao tal bar, até ali foi tudo super tranquilo, Virei a direita e segui. A cada passo tudo ia mudando, as casas dos brancos já não era constante, meu último trecho antes de começar a subida finalizava com dois sítios um de cada lado da estrada, mas tudo era aberto, cercado apenas por arame farpado, ali podia-se ver cavalos, vacas, patos, gansos, galinhas e outros.



Parei por um instante para respirar, foi quando vi duas crianças indígenas que vinham subindo também sentido para a aldeia. Pensei: Oba! Vou ter companhia. Ao passarem por mim, puxei assunto, mas eles apenas riram e seguiram. Me animei e pensei: Vou ir com eles assim fico mais animado. Mas um pouco mais a frente eles entraram numa trilha que ia mata adentro.



Desisti de segui-los, sei lá onde eles iriam! Cada um tinha uma atiradeira na mão ou estilingue como outros assim chamam. Segui já desanimado, a subida era muito forte e íngreme.



A cada trinta passos mais ou menos eu parava e bebia um gole de água, estava já ensopado de suor e frouxo de cansaço. Passava de hora e meia de caminhada e eu nem na metade estava. Sentei debaixo de uma árvore, onde havia um tronco caído.



Já estava entrando na mata, mesmo assim o calor estava insuportável. Caminhei mais vinte minutos e cheguei à porteira que é o limite entre da aldeia com terras de branco.


















Depois de horas de caminhada,fiquei feliz, pois quando vi cabanas indígenas pela primeira vez na minha vida fiquei deslumbrado. Logo pensei:



Pronto cheguei, que maravilha. Vi um índio adulto que saia de sua cabana e caminhei até ele. Ao chegar perto peguei um dos sacos de pão e dei a ele. O cara da padaria fez malotes com dez pães, o que foi bom pra mim na hora de distribuir. Perguntei a ele onde a Rosa morava, e ele me disse meio enrolado que era novo ali na aldeia e que não conhecia essa tal Rosa.



Sem perder tempo me despedi e segui meu caminho. Mas uma coisa me deixou intrigado. Ele pegou um celular e fez uma ligação. Achei estranho, mas segui meu caminho,



caminho que cada vez mais ficava mais difícil. As subidas estavam ficando cada vez mais em pé, parecia que os morros por onde eu passava estavam se levantando.


Foi então que assim do nada surgiu dois índios de idade já avançada carregando cada um, um fardo de bambu taquara nas costas, puxei assunto, mas eles só riam e falavam na língua deles um para o outro. Decidi ficar calado e seguir com eles, mas logo vi que minha idéia foi tola, pois os caras mesmo com o peso nas costas não paravam para descansar, e eles estavam num ritmo tão forte que pensei: Vou ter um treco se continuar com eles. Mas algo dentro de mim brigava com meu consciente dizendo: Poxa! São só dois velhinhos! Ganhei força e fui, mas confesso que dei somente mais dez passos e parei. Eles foram subindo e sumindo numa curva não muito longe a minha frente.



Meu coração estava a mil, ou eu parava ou ia ter alguma coisa desagradável, pois a mata já não existia ali naquele trecho e eu não aquentava mais o calor. Com muito custo cheguei num trecho onde é a escola. Não quis mais seguir viagem, parei ali e fiquei a olhar tudo com calma. Havia uma escola e duas cabanas indígenas, ao fundo a mata.



De repente me sai um índio de uma das cabanas e vem até a mim.

-Bom dia.

-Bom dia.

-Vai pra onde?

-Casa da Rosa... Conhece?

-Conheço...

O índio olhava para a bolsa que eu carregava.

-O que você leva ai?

-É só umas coisas pra Rosa.

Ele então pegou seu telefone e fez uma ligação sei lá pra quem. Falava em Guarani, não entendia nada. Quando terminou ele me falou...

-Vou levar você lá... Não pode andar aqui sozinho.

-Maravilha, desde que você não ande rápido, por mim está tudo bem.

Tirei um saco de pão e dei a ele e mais três saquinhos de bala, pois vi que ele tinha crianças em casa. Seguimos então morro acima.



Ele puxava conversa querendo saber mais sobre mim. Mas não conseguia falar e andar, ou uma coisa ou outra. Então nos calamos.



O cara estava acabando comigo. Ele não parava pra nada. Devo ter perdido uns cinco quilos naquele dia. Uma hora depois e chegamos a casa de Rosa que morava até aquele momento no meu entender no plano mais alto da aldeia.



Daí se existia alguém mais acima ainda não sabia e confesso que nem queria, até ali já estava de bom tamanho.








Guilherme JaberPostado por Guilherme Jaber

Neste blog mostro um pouco de meu trabalho voluntário que faço na Aldeia de Brackuy em Angra dos Reis com índios da etnia Guarani Mibia. Meu trabalho consiste em ensinar a eles maneiras alternativas de construção de moradias sem agredir o meio ambiente. Para mais detalhes sobre esse trabalho... Entre em Contato

Obrigado


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