terça-feira, 23 de novembro de 2010

O Começo

Sempre gosto de fazer ficar registrado fatos que acontecem em minha vida e que tem uma representatividade importante para mim.

Faz seis anos que eu vou a aldeia indígena de Bracuí, em Angra dos Reis, isso foi a partir de 2004.

Como começou.

Meu padrasto certa vez foi a Angra com seu velho Corcel azul, era sua maior paixão em se tratando de carros. Não lembro o que ele foi fazer por lá, se foi visitar parentes, ver emprego, fato é que não me lembro. Um camarada nessa época quando viu o carro ficou encantado e disse que ele sim ia voltar pro Rio, mas o carro não. Como assim? Indagava meu padrasto. O camarada pediu a ele que o levasse a tal lugar e assim foi feito. Lá ao descerem do carro o camarada lhe mostrou vários terrenos e disse a ele:


- Pode escolher o que você quiser, mas o carro fica. - E deu uma risada para meu padrasto. - Gostei do seu carro, e quero ele, nesse negócio tenho certeza que o beneficiado vai ser você, mas não me importo.


Bom ele não fechou negócio assim de imediato, havia minha mãe, ele tinha que passar tudo a ela pra saber o que achava de tudo isso. Fato é que a transação foi feita e hoje meu padrasto com minha mãe tem uma enorme casa em Angra e tudo foi feito com muito esforço, pois na época era um mato alto com varias árvores. Hoje já está tudo loteado e habitado. No início foi tudo muito difícil, mas hoje olhando para trás foi um bom negócio. Quanto ao Corcel, meu padrasto diz que a última vez que o viu ele era usado para carregar materiais de construção em uma loja. Cortaram ele, e transformaram-no em um veículo com carroceria.


Passaram-se os anos e em dois mil e quatro estava indo eu a Angra passar uns dias por lá. Precisava respirar um pouco, minha vida estava na contramão, e eu queria um tempo pra juntar os cacos. Segui o conselho de minha mãe e fui. Eu aprendi que mãe nunca dá conselhos errados, por mais que quem está ouvindo não o aceite, mas é a pura verdade.


Como eu fui de ônibus, o desembarque aconteceu na rodoviária. Caminhei até o ponto de ônibus que não ficava muito longe. O dia já estava indo embora, e em Angra tudo escurece mais cedo por causa das montanhas. Procurei saber qual era o ônibus que me deixaria em Brackuy. Quando eu vou de Van, esta me deixa no trevo e lá eu já sei qual ônibus pegar, mas ali onde eu estava haviam vários, todos da mesma empresa. Informação obtida encostei –me em um pilar de uma cobertura ali mesmo do ponto de ônibus e fiquei a esperar o meu chegar, pois no ponto não havia um sequer.


Foi assim que tive meu primeiro contato com meus queridos índios. Foi uma situação constrangedora e fiquei tocado por tudo o que aconteceu.








Uma índia já de idade, de idade mesmo. Tentava vender a preço de banana seus artesanatos, (cestinhos feitos de bambu Taquarinha) mas ninguém queria comprar. Eram moradores de Angra mesmo e eles não se comoviam com a situação da pobre índia. Aquilo Me revoltou, pois eu carrego sangue indígena nas veias, minha Bisa era índia que acabou casando-se com um branco e veio morar na cidade, claro que isso aconteceu lá pros lados de Minas Gerais e já faz muitos anos, com certeza no século passado. Mas fiquei quieto olhando tudo em silencio. Ela estava com uma índia que carregava uma criança no colo e em volta mais quatro crianças já entre oito e nove anos. Pelo que eu pude perceber tudo o que ela queria era vender seu artesanato num valor que fosse possível para pagar a passagem, para que eles pudessem ir para casa. Ela não pedia nada demais, não era esmola, não estava mendigando, estava simplesmente tentando de forma legal obter um dinheiro somente para ir para sua casa, e o que conseguia era zombaria de terceiros que ficavam rindo de tudo. Quando o ônibus chegou, ela pediu ao fiscal para entrar pela porta detrás, mas tudo que ouviu foi:

- “Toma vergonha nessa cara velha”.

Não prestou, meu sangue ferveu e quando isso acontece não tem volta na atitude que tomo, e minha atitude ali naquele momento foi cruel. Falei para a índia ficar tranquila que eu pagaria suas passagens e para o fiscal falei um monte de merda, merda mesmo! E falei que se ele me ameaçasse que teria que cumprir com sua palavra em fazer o que ia dizer.

- Se fosse tua mãe nessa situação em um lugar estranho cara, seria esse o tratamento que você queria que ela tivesse? - Disse furioso. - São pessoas, seres humanos que fazem o mesmo que todos aqui. Ela deve ter tido um dia ruim e não vendeu seu artesanato, Se ela não pode entrar na porta detrás diz com educação e pronto.

Ele me olhou com cara feia do tipo: "Vou enfiar a porrada nesse cara." Eu juro que estava disposto a entrar no tapa com aquele cara. Mas eu me antecipei e disse: Se falar que vai me bater vai ter que cumprir porque hoje, agora, o que vier pra mim é lucro. Mas depois do monte de merda que falei todos ali viram e reconheceram que erraram e ninguém falou mais nada. O fiscal ficou puto e de cara feia comigo. Eu podia apanhar, mas que eu ia dar minhas pancadas a isso ia. Verdade é que paguei suas passagens, de todos até das crianças que costumavam passar por baixo da roleta. Não deixei, não ali naquele dia. Eles foram humilhados demais. O engraçado é que ninguém sentou ao meu lado, viajei o tempo todo sozinho. Pois eu estava conversando com os índios que estavam sentados atrás do meu banco, fiquei o tempo todo virado para trás. Normalmente os índios sentam no final do ônibus, mas nesse dia ficamos no meio. Fiz questão.


Eles estavam sujos e não é que fediam como dizem, caramba! Eles vivem no mato, não são como nós que usamos perfume, um desodorante, eles tem o cheiro deles, pelo menos são naturais. Pare de usar um desodorante, um perfume e você vai ver como vai cheirar pior do que eles.


Desci no ponto onde eles também desceram. Já era noite e eles ainda estavam fora da reserva, e não podiam. A índia estava muito grata pelo que eu fiz, dizia que se eu não fizesse aquilo ela não sabia o que podia acontecer. Eu me sentia bem e agradecido por ter feito o que fiz.


Acreditem no que digo, já passei por isso quando era pequeno com minha mãe e meus irmãos, e dói muito ser tratado da forma como foram.


Nos despedimos e ela sem jeito me deu um abraço. Perguntei se era muito longe a aldeia e ela me disse que uns quatro quilômetros e chegaria. Me partiu o coração tudo aquilo. Prometi que iria tomar um café pela manhã com ela em sua aldeia, se teria algum problema eu ir até lá. Ela simplesmente sorriu e me disse em curtas palavras:

-Vai nada.

Qual seu nome pra eu procurar na aldeia.

Rosa.

Estarei lá amanhã.

Houve um silêncio e ela me perguntou uma coisa que me assustou e me deixou preocupado.

- Porque você fez isso?

Respondi sem entender - Isso o que?

Ela apenas passou sua mão já desgastada pelo tempo em meu rosto, sorriu e disse:

-Você é bom.

Abracei eles sem o menor constrangimento pela sua sujeira e me despedi.


A Rio Santos era cortada por uma estrada de terra, tipo uma cruz, ela foi para a direita e eu para a esquerda. Fiquei olhando-os até que se perderam na escuridão da noite. Caminhando para a casa de minha mãe me perdi em pensamentos e fiquei a imaginar o que ela quis dizer com aquela pergunta. O que fiz foi tão pouco e fiz por amor ao próximo não por caridade. Por caridade eu dava o dinheiro e ficava mudo. Sentaria longe deles. Mas fiz por amor ao próximo. Pensei comigo mesmo: Será que aqui ninguém ama o próximo? São tão egoístas assim? Ao chegar em casa contei a história em detalhes para minha mãe que gostou do que fiz, ficou chocada com a situação, mas preocupada comigo. Minha mãe me conhece, sabe como sou em minhas decisões. As vezes pago caro mas nunca recuo quando a decisão é tomada.


Já deitado na minha cama depois de um banho, depois de comer uma boa refeição, fiquei ali a imaginar onde eles estariam naquele momento, com certeza ainda estavam caminhando. E pensar que iam chegar, não tomar banho, não jantar e talvez não ter uma cama quentinha pra dormir. Sem nenhuma demagogia chorei naquela noite, assim como estou com meus olhos em lágrimas agora escrevendo aqui essa história, porque eu a vivi, eu a vivo e sei como é difícil para eles. Nem os conhecia e já estava envolvido. Queria logo que o dia amanhecesse para eu ir logo à aldeia para conhecer Dona Rosa e sua família. Ela me lembra e muito minha Bisa.





Guilherme JaberPostado por Guilherme Jaber

Neste blog mostro um pouco de meu trabalho voluntário que faço na Aldeia de Brackuy em Angra dos Reis com índios da etnia Guarani Mibia. Meu trabalho consiste em ensinar a eles maneiras alternativas de construção de moradias sem agredir o meio ambiente. Para mais detalhes sobre esse trabalho... Entre em Contato

Obrigado


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